08 setembro 2011

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Meteste-te num avião à pressa e deixaste o meu coração em estado de sítio. Às vezes ainda caio na
armadilha do teu charme, vou jantar contigo como quem vai ao cinema com um velho amigo e
quando me levanto da mesa depois de duas horas de êxtase, demoro três semanas a descer outra vez
à terra. O meu pai sempre me disse que o maior perigo do mundo não são as guerras nem os
ditadores, nem sequer as catástrofes naturais, mas as mulheres com as suas peles de seda, o olhar
vítreo a pedir protecção, as bocas de desejo e as curvas infinitas no corpo que despistam os homens,
os deixam sem norte nem direcção e lhe estragam a vida. E tu és a pior de todas. Apareces e
desapareces como uma bruxa e ris-te do meu amor louco e desajeitado por ti como se eu fosse um
cão e tu o gato que me toureia e atormenta. E eu sinto-me um cachorro, um palerma, um fraco, um
idiota cada vez que te vais embora e me castigas com semanas a fio de silêncio, cerro os punhos,
olho-me ao espelho e vejo na imagem um homem de meia idade, já com pequenas rugas junto às
orelhas e alguns pêlos impertinentes que teimam descer pelas narinas e sinto que não sou nada nem
ninguém enquanto não me esquecer de ti. Sempre tive medo das mulheres e as mulheres nunca
olharam para mim. Se a minha mãe for ainda viva, duvido que se lembre da minha existência. Queria
uma filha e apaixonou-se por outro homem, disse-me o meu pai quando fiz dez anos. E também me
disse, cuidado filho, que isto não é um país, é uma paísa, são elas que mandam em tudo e se não
tiveres cuidado vão mandar em ti, usar-te e deitar-te fora como um trapo velho.
Mas eu gosto de ti, que és meia estrangeira e meia louca, que tens olhos de gato e curvas de égua, que
falas um português criativo e escreves mensagens escritas com erros de palmatória. Preciso de ti
como do ar porque és impossível de agarrar, sem ti a vida é um tédio, uma morte adiada e nem a
Luisinha que trabalha no economato me consegue consolar com os seus bolinhos de mel e as suas
visitas de tupperware, caldo verde e bacalhau à Braz, uma vez por semana ao meu apartamento
acanhado na Graça que herdei da minha mãe, talvez a única coisa que me deu na vida.
A Luisinha também tem curvas e um cabelo que cheira a flores, fala baixinho como um pássaro e
rebola-se na cama comigo como um bicho, mas não tem o teu mistério nem o teu charme, não lhe
corre nas veias o sangue mestiço que te trouxe até Lisboa nem sabe dizer palavrões quando estás feliz
como tu fazes nas noites em que te dou uns copos e te levo para casa. Tu entras sempre antes de
mim, olhas em volta como quem visita a casota de um cão, fazes um ar de dó que me faz sentir um
verme e depois deitas-te comigo porque te dou pena, porque te apetece ter sexo, porque sabes que ao
menos em mim podes confiar, que nunca te vou bater e te empresto dinheiro sempre que precisares.
Daqui a dois ou três meses tu vais voltar, voltas sempre porque mesmo sem teres terra sabes que é
aqui o teu canto e eu sonho com o dia em que te vais cansar de subir a um palco, roçar o corpo numa
vara besuntada de óleo, de provocar orgasmos em mais de vinte homens por noite e te decidas a ficar
ao meu lado. Quando a reforma chegar, tenho dinheiro de sobra para te levar de viagem todos os
meses e fazer de ti uma princesa, por isso demora o tempo que quiseres, que eu por cá me aguento,
entre mortos e feridos, atrás das trincheiras do meu coração de cão fraco e tonto.

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